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Sem
qualquer pudor, em pouco tempo, talvez alguns meses, ele desviou (desbaratou!)
uma soma avultada, uma parte significativa, do património comum. Fê-lo até
saciar os vícios que sempre alimentou ao longo da existência, nisso foi
coerente consigo próprio. Deu cabo do dinheiro e não lhe disse nada. Fechou-se
em copas, num silêncio pretensamente cúmplice…
Ela
ficou de rastos quando as dívidas começaram a acumular-se. Com a angústia
perdeu o sono. Deixou de comer. Isolou-se do mundo, fugiu de toda a gente. Em
alguns momentos de maior melancolia, por vezes, dá consigo a recordar a sua
cerimónia de casamento. Recorda-se que quando partilharam os votos matrimoniais
ouviu alguém falar nos bens adquiridos após o casamento. Como essa reminiscência
se perdeu no tempo! Já nada resta.
-Olho para ele e não resisto a pensar: Só sobrou o ódio. O que sinto é apenas ódio.
Pensa mas não diz nem faz nada. Tolhida pelo medo da vergonha social. Impotente para fazer uma certa ruptura.
Pressente-se
nesta declaração mais
um sinal do regresso ao passado, à ideia de uma ordem inquestionável,
legitimada por um indefinível interesse público e imposta pelo medo. No passado tudo se tolerava, ninguém era chamado a assumir responsabilidades. Daí os ódios de estimação, alimentados pelo ressentimento... De facto,
dantes nas relações conjugais imperava a autocracia, o posso, quero e mando.
Ela ainda não percebeu que a democracia está a passar pela vida dos casais,
abrindo espaço à expressão do descontentamento, à afirmação das necessidades
individuais. De tal forma que não se deu conta, que insiste em recorrer a
soluções (auto-destrutivas!) que não resolvem nada. Com o olhar fixo no
horizonte distante, sem pressas, ao de leve balbuciou:
-Vou vingar-me nos calmantes.
Desconhece-se
o alcance de semelhante expressão: traça um destino? Está carregada de
simbolismo?