terça-feira, 16 de agosto de 2011

       A perda da virgindade
      Luísa foi violada em plena juventude. Nunca conseguiu esquecer, tanto mais que a pessoa envolvida era alguém que conhecia muito bem. Quando recordava a cena da violação sentia um arrepio na espinha. Apetecia-lhe destruir tudo.
         Com o passar dos anos o sofrimento foi aliviando. Para isso ajudou a constituição da sua própria família e o nascimento das filhas. Atravessou duas décadas em que praticamente não se lembrava de nada: apenas flashes ocasionais. Tinha regressado à vida. Até se sentia feliz. Pelo menos, tentava dar mostras disso: por causa das filhas. Os anos foram passando, as miúdas cresceram e Luísa estava satisfeita com o seu papel de mãe. A filha mais velha, aí pelos 18 anos começou a namorar. O rapaz era simpático, educado e trabalhador, três requisitos imprescindíveis para este namoro receber o beneplácito de Luísa. Aparecia lá por casa e mostrava-se cordial com ela. Acima de tudo, não queria que alguém do seu sangue viesse a sofrer da mesma desgraça.
         O namoro foi amadurecendo, os dois davam-se bem, existia muito cumplicidade entre eles, o que confortava Luísa. Certo dia a rapariga disse que lhe queria contar um segredo e que a irmã não podia ouvir. Refugiaram-se, mãe e filha, num recanto da casa, mais pareciam duas velhas amigas conversando em amena cavaqueira, tal a intimidade, a atenção selectiva que dedicavam uma à outra.
         E foi nessa ocasião que Luísa tomou conhecimento que a sua filha mais querida desejava perder a virgindade. Num primeiro momento ficou enternecida pela atenção, pelo cuidado que a jovem teve para consigo. Não tinha nada que contar à mãe mas fê-lo de livre vontade. Não precisava de lhe pedir autorização. Era uma prova de inaudita confiança. Sentia-se orgulhosa pela educação que lhe tinha dado. Este episódio ainda aumentou mais a sua confiança com a vida: afinal, estava tudo bem e o destino acabou por recompensá-la com alguma da felicidade do mundo.
         Mas nessa noite não foi capaz de adormecer. Dava voltas e mais voltas na cama. Não conseguia explicar mas sentia-se terrivelmente angustiada. As frontes latejavam. A respiração estava descompensada. A pele humedecida. O coração batia com tanta força que parecia um dos bombos dos Mareantes do Douro. Sufocava. Temia que lhe acontecesse algo de mal. Acabou por levantar-se e aproximou-se da janela, respirou profundamente, de um só fôlego e num lapso de clarividência acabou por enxergar que a filha tinha combinado, tinha programado o acto de amor para o mesmo dia e para o mesmo mês em que ela própria foi violada, embora a jovem desconhecesse esse terrível infortúnio da vida da sua mãe…

Sem comentários:

Enviar um comentário