sábado, 10 de setembro de 2011

“Encontrar-se com um homem significa manter-se vigilante perante um enigma” (Lévinas, EDE 125). 

 Temos a triste mania de conotar o envelhecimento fisiológico com o declínio da memória. Até entre os doentes psiquiátricos a perda de memória é considerado como o sofrimento supremo, ninguém quer ter Alzheimer (uma doença da moda!).
 Para além dos indivíduos, também as sociedades padecem de perda de memória. Nalguns casos, essa perda é intencional. Ao esquecer-se, ao não falar do assunto, é como se ele não tivesse existido. No fundo, apaga-se um pouco da História. José Estaline e os seus verdugos foram exímios nas “técnicas de supressão”: alguém que era eliminado de uma fotografia pública passava a não existir. Nunca tinha existido! Mesmo que durante longos anos tivesse participado nas reuniões do Comité Central do Partido Comunista da União Soviética. O Planeta Terra move-se e os erros vão-se perpetuando, repetem-se impunemente, para mal das nossas (boas!) consciências...
 A data “11 de Setembro” é um exemplo da demenciação que, por vezes, afecta o Homo Sapiens. Assim, a destruição das Torres Gémeas, com tudo de terrível que essa catástrofe representou para o mundo civilizado, não pode, não deve mutilar ou “apagar da fotografia” outros “11 de Setembro”. Como aquele que devastou um extraordinário país da América do Sul: o Chile!
 • Chile, 11 de Setembro de 1973: Golpe de Estado, mata 30 mil.
 • EUA, 11 de Setembro de 2001: atentado contra as Torres Gémeas mata quase 3 mil.
 Dois atentados. Dois factos históricos diferentes. O do Chile foi cometido há 38 anos e anda meio esquecido. Vale a pena relembrá-lo. Em 11 de Setembro de 73, a mais sólida democracia da América do Sul sofreu um atentado que provocou uns 30 mil mortos no seu rasto.
O Chile foi vítima de um golpe militar, perpetrado pelos três ramos das Forças Armadas, com o objectivo de quebrar a esperança de se construir um país socialista pela via eleitoral. Esse golpe de estado abriu a porta a uma feroz ditadura, que nem pólvora, se propagou praticamente a todos os outros países latino-americanos. Ou seja, desencadeou um fenómeno de contaminação.
Um continente ficou amordaçado. Importa não esquecer!
 O filme “Chove em Santiago” retrata esse “11 de Setembro”. Pode não constituir um icon da cultura cinematográfica. Mas até pelo lado enigmático do título, deverá ficar na nossa memória colectiva.
 Sim, de verdade o cinema corresponde a um excelente meio de reabilitação cognitiva. Toca a ver filmes. Ver e a conversar sobre eles.

 "En mi patria hay un monte. En mi patria hay un río. Ven conmigo. 
La noche al monte sube. El hambre baja al río. Ven conmigo. 
Quiénes son los que sufren? No sé, pero son míos. Ven conmigo. 
No sé, pero me llaman y me dicen «Sufrimos». Ven conmigo.
Y me dicen: «Tu pueblo, tu pueblo desdichado, entre el monte y el río, con hambre y con dolores, no quiere luchar solo, te está esperando, amigo.
 Oh tú, la que yo amo, pequeña, grano rojo de trigo, será dura la lucha, la vida será dura, pero vendrás conmigo". 
El Monte y El Rio - Pablo Neruda

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