quarta-feira, 28 de março de 2012

Ódios de estimação, cozinham-se com muitas experiências e servem-se bem quentes

In: http://www.clubesdv.com/amoreodio/


Sem qualquer pudor, em pouco tempo, talvez alguns meses, ele desviou (desbaratou!) uma soma avultada, uma parte significativa, do património comum. Fê-lo até saciar os vícios que sempre alimentou ao longo da existência, nisso foi coerente consigo próprio. Deu cabo do dinheiro e não lhe disse nada. Fechou-se em copas, num silêncio pretensamente cúmplice…
Ela ficou de rastos quando as dívidas começaram a acumular-se. Com a angústia perdeu o sono. Deixou de comer. Isolou-se do mundo, fugiu de toda a gente. Em alguns momentos de maior melancolia, por vezes, dá consigo a recordar a sua cerimónia de casamento. Recorda-se que quando partilharam os votos matrimoniais ouviu alguém falar nos bens adquiridos após o casamento. Como essa reminiscência se perdeu no tempo! Já nada resta.
   -Olho para ele e não resisto a pensar: Só sobrou o ódio. O que sinto é apenas ódio.
 Pensa mas não diz nem faz nada. Tolhida pelo medo da vergonha social. Impotente para fazer uma certa ruptura.
Pressente-se nesta declaração mais um sinal do regresso ao passado, à ideia de uma ordem inquestionável, legitimada por um indefinível interesse público e imposta pelo medo. No passado tudo se tolerava, ninguém era chamado a assumir responsabilidades. Daí os ódios de estimação, alimentados pelo ressentimento... De facto, dantes nas relações conjugais imperava a autocracia, o posso, quero e mando. Ela ainda não percebeu que a democracia está a passar pela vida dos casais, abrindo espaço à expressão do descontentamento, à afirmação das necessidades individuais. De tal forma que não se deu conta, que insiste em recorrer a soluções (auto-destrutivas!) que não resolvem nada. Com o olhar fixo no horizonte distante, sem pressas, ao de leve balbuciou:
   -Vou vingar-me nos calmantes.
Desconhece-se o alcance de semelhante expressão: traça um destino? Está carregada de simbolismo?

Sem comentários:

Enviar um comentário