domingo, 20 de novembro de 2011

As Hortas esperadas de cada Domingo!

“No tempo em que havia quintas e hortas em Lisboa, e se ia para lá aos domingos, eu ficava em casa. E em vez de ir para as quintas e para as hortas, em vez de apanhar couves e de ordenhar ovelhas, lia poemas que falavam das quintas e das hortas de Lisboa, como se isso substituísse o ar do campo e o cheiro dos estábulos. É por isso que hoje, quando me lembro dos arredores de Lisboa onde havia quintas e hortas, o que lembro são as horas de leitura de poemas sobre esses arredores, e os passeios que eles me faziam dar aos domingos, substituindo os lugares reais com mais exactidão do que se eu tivesse ido a esses lugares. Visitei, assim, quintas e hortas pela mão do Cesário Verde e do Álvaro de Campos, e soube por eles tudo o que precisava de saber sobre os arredores de Lisboa, que hoje já não existem porque Lisboa entrou por eles e transformou as quintas em prédios e as ovelhas em automóveis.
Não me arrependo, então, de ter lido Cesário e Campos enquanto ouvia balir os rebanhos que vinham pastar a Lisboa, nas traseiras do meu prédio, onde as mulheres das hortas vendiam leite e queijo fresco, às escondidas da polícia. Hoje, já não sei onde se escondem essas mulheres, nem há quintas e hortas em Lisboa; mas ficaram os poemas que ainda me levam a passear às quintas e hortas que já não existem, onde apanho couves e ordenho ovelhas por entre prédios e automóveis”.

in: Nuno Júdice, O Estado dos Campos, Lisboa, Dom Quixote, 2003

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